Com informações do Omelete
Foto: divulgação
Armadilhas da nostalgia à parte, é fato que guardamos na adolescência muitas das experiências formativas não só de nossa identidade adulta, mas também de nossas frustrações. O frescor da juventude é sempre ampliado pela liberdade das muitas possibilidades que, com o passar do tempo, vão naturalmente se esvaindo. Por isso, é traiçoeiro usar aquilo que poderia ter sido, mas não foi, como refúgio do hoje.
45 do Segundo Tempo, filme do diretor Luiz Villaça (De Onde Eu Te Vejo), usa uma trama de resgate de amizade como base para uma sensível mensagem de carpe diem que, justamente, confronta esse escapismo saudosista. Sensível e reflexivo, o longa parte do humor do inusitado para mergulhar num crescendo emocional muito humano e verossímil, desembocando em dramas recorrentes do cotidiano moderno. Em sua estrutura e em seu conteúdo, a produção emula a jornada de retorno do fantástico para a realidade, mas propõe que esse processo de despertar não precisa ser só uma ruptura dolorosa.
Quem incorpora essa ideia é Pedro (Tony Ramos), um caótico dono de restaurante muito orgulhoso de suas heranças italianas, que se vê em crise, velho e solteirão, quando seus negócios parecem ruir de vez. Entendendo que não há mais razão para viver, ele decide escolher um bom dia para cometer suicídio — se tudo der certo, com o Palmeiras sendo campeão brasileiro de futebol — e avisa dois amigos de 40 anos atrás com quem acabou se reunindo por causa de uma reportagem: Ivan (Cássio Gabus Mendes), um advogado de figurões endinheirados, e Mariano (Ary França), um padre em crise de fé.
A surpresa com as escolhas de carreira de ambos, o primeiro um idealista militante antissistema, e o segundo um boca-suja de primeira linha, só não supera a estranheza de um reencontro tão tardio. Quando revê os amigos pela primeira vez, Pedro ainda os trata como se fossem os mesmos garotos com quem jogava bola no tradicional colégio paulistano Dante Alighieri. Os dois, envergonhados pela dissonância entre quem eram e quem se tornaram, meio que seguem o fluxo, abraçando a farsa na esperança de que isso baste para mudar os planos do suicida.
Apesar dos anos de distância, é quase simbiótica a forma com que todo esse ciclo de falsidade acaba aproximando o trio novamente, complementado na desonestidade de Pedro consigo mesmo. Mais do que tentar convencer Ivan e Mariano de que está tão resoluto quanto tranquilo com a decisão de encerrar a própria vida, o personagem de Ramos quer convencer a si mesmo de que não está tomado por desespero, tristeza e solidão. E de que a tentativa de um último contato com duas pessoas que o marcaram não é um pedido de socorro, mas um convite à curtição.
Assim, disfuncional, o trio parte em um mergulho num passado irreal, visivelmente manchado pela vista turva do saudosismo, mas que ironicamente os força a encarar de maneira ainda mais dolorosa tudo que há de errado no agora. 45 do Segundo Tempo veste a nostalgia de fuga, mas a revela como alerta. Ao lançarem um olhar exageradamente romântico sobre o ontem, Pedro, Ivan e Mariano veem o hoje se tornar tão insuportável que apenas duas respostas lógicas surgem dessa dor: a ressignificação ou a morte. Como um deles já fez sua escolha de forma antecipada, a decisão restaria só aos outros dois.
E é aí que o roteiro, assinado por Villaça e Leonardo Moreira, revela sua maior força: a injeção saudável de um certo cinismo no típico idealismo romântico das comédias dramáticas. Se 45 do Segundo Tempo conforta e inspira com uma mensagem bonita, como é de praxe no gênero, não é sem reconhecer que parte da beleza da vida está nas dores que suportamos e nos erros que superamos, mas que é direito do ser humano fazer sobre isso o seu próprio juízo de valor — podendo até escolher pôr um fim a este ciclo. Ao invés de estabelecer um confronto direto com a questão, posicionando o viver a sofrer como um estado compulsório do ser, o filme opta por retrucá-la com um lembrete: ninguém precisa passar por tudo sozinho e, enquanto o apito não soar, ainda há tempo para mudar o jogo.
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