Uma transferência feita pelo jogo do bicho em 1988

Por Lucas Paes
Foto: Arquivo

Quatro jogadores saíram do Bangu ao Botafogo

O jogo do Bicho é um dos jogos de apostas mais populares e difundidos da cultura brasileira, apesar de ser ilegal. Várias piadas são feitas com a modalidade e inclusive muita gente já fez sua vida em torno deste modo ilegal de apostar. O futebol nos anos 1980, principalmente no Rio de Janeiro, eram muito afetado por bicheiros que eram praticamente donos de alguns times cariocas, se destacando principalmente a relação Castor de Andrade - Bangu. Foi assim que em Marinho, Cláudio Adão, Mauro Galvão e Paulo Criciúma se tornaram jogadores do Botafogo.

O jogo do Bicho surgiu num contexto de crise econômica que afetava profundamente os comerciantes no Brasil no final dos anos 1890. Para aumentar a frequência de visitantes no Zoológico do Rio de Janeiro, o Barão João Batista Viana criou um jogo onde você tentava adivinhar o animal que estaria coberto por uma cortina e ganharia prêmios se acertasse. Aos poucos, o jogo se espalhou por toda a cidade, que virou a capital do jogo do Bicho. 

O futebol entra nisso com Castor de Andrade. O famoso bicheiro carioca passou a ter influência dentro do alvirrubro desde os anos 1960 e foi inclusive importante e decisivo na conquista do título carioca de 1966. Também foi crucial na campanha do vice-campeonato do Brasileirão de 1985, perdido diante do Coritiba, em jogo disputado no Maracanã e decidido nos pênaltis em favor do time coxa-branca. Castor também tinha grande influência no carnaval, onde era patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel e ajudou a fundar a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (LIERJ). No auge de seu império, tinha sob seu dinheiro policiais, juízes, funcionários públicos e até políticos.

Porém, erros de arbitragens crassos contra o Bangu nas finais do Brasileiro e Carioca (essa contra o Fluminense) de 1985 e também no triangular decisivo do estadual de 1987, além da confusa semifinal contra o Sport, no Módulo Amarelo da Copa União do mesmo ano, fizeram com que Castor tirasse parte do investimento no futebol e voltasse mais suas atenções ao Carnaval, botando ainda mais grana na Mocidade Independente de Padre Miguel. E nisto chega a famosa negociação com o Botafogo.

A transação envolvendo os quatro jogadores do Bangu para o Botafogo ocorreu em 1988. Emil Pinheiro, que na época era diretor do Botafogo (se tornaria presidente pouco tempo depois) também tinha seu dinheiro vindo do jogo do Bicho. Assim, resolveu arriscar uma tentativa de reforçar o Glorioso conversando com Castor de Andrade. Segundo contam relatos da época, por algum motivo, Castor estava precisando de dinheiro. Então, Emil fez a proposta, daria 100 mil dólares a Castor, mas queria os passes de Mauro Galvão, Cláudio Adão, Paulo Criciúma e Marinho. Castor topou a troca.

A negociação ocorreu já na calada da noite no restaurante Cabana da Serra, que ficava na estrada entre Grajaú e Jacarepaguá. Ambos chegaram em seus carros de luxo e estavam cercados por seguranças armados até os dentes. Castor, experiente e sempre desconfiado chamou um especialista para contar as notas e garantir que os 100 mil fossem verdadeiros. Com tudo confirmado, a negociação foi fechada e os jogadores foram contratados pelo Fogão. 

Há uma outra versão, dita por alguns estudiosos do jogo do bicho, que além desse dinheiro, pois eram jogadores bastante valiosos no mercado brasileiro, houve uma negocição fora do futebol. Emil teria cedido a Castor alguns pontos de venda de jogo do bicho na zona sul do Rio de Janeiro

Os reforços deram resultados rapidamente no Fogão. O Glorioso foi bicampeão carioca em 1989 e 1990, quebrando um jejum que já durava mais de 20 anos. A torcida sabia que o dinheiro vinha do jogo do Bicho, mas pouco se importava devido ao sucesso obtido pelo clube. Emil ainda seria presidente do Botafogo entre 1991 e 1992, neste último ano sendo vice-campeão brasileiro.

Já o Bangu começa ali a entrar no "limbo" do futebol. Em 1988, disputa pela última vez a elite do Brasileirão, sendo rebaixado. O último brilho sob o comando de Castor de Andrade foi em 1993, onde chegou a sonhar com o título carioca, administrado pelo também bicheiro Carlinhos Maracanã. Mas foi neste ano que houve a primeira prisão da cúpula do Jogo do Bicho e faltou grana na reta final. Em compensação, no Carnaval foi um sucesso. A Mocidade, que tinha apenas dois títulos (1979 e 1985), conquistou mais três na fase de investimentos de Castor: 1990, 1991 e 1996.


Já pelos lados da Estrela Solitária, em 1993 Emil briga com diretores e vai para o America, onde monta um time forte para os padrões do Sangue já naquela época, mas que dentro de campo não deu certo. O Botafogo teve uma temporada ruim, mesmo com a conquista da Copa Conmebol, pois no Brasileiro ficou várias rodadas sem vencer, segurando a lanterna. A partir de 1994, a família Montenegro, fundadora do Ibope, assume o Fogão, que recupera sua força e, no ano seguinte, conquista o polêmico título do Brasileirão em 1995.

O jogo do bicho hoje já não tem mais influência praticamente nenhuma no futebol carioca e brasileiro como um todo, sendo mais presente dentro das Escolas de Samba do Carnaval. Atualmente, tramita já há alguns anos nas casas do legislativo brasileiro um projeto para legalizar os jogos de azar no Brasil, porém nenhuma posição foi tomada oficialmente pelos candidatos a presidência no pleito de 2022 com relação a esse tema. 
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