San Martín de Tucumán e o título da Copa de La República de 1944

Por Tiago Cardoso
Fotos: arquivo

O técnico Santillán, Figueroa, Acosta, Blasco, Lacroix, Larrosa e Colman;
Aguilar, Juárez, Brandán, Lirio Díaz e Gramajo
 
No bairro Ciudadela, na cidade de Tucumán, encontra-se o estádio homônimo, pertencente ao Santo, como é alcunhado o San Martín. Neste local, em setembro de 1812 travou-se a lendária Batalha de Tucumán, conflito importante na história da libertação argentina do jugo espanhol. É no estádio La Ciudadela que o San Martín é embalado por sua fervorosa torcida, que com entusiasmo grita o nome do prócer da república que dá nome ao clube. O nome do estádio faz alusão a uma fortaleza existente no local desde o período colonial. Neste local, decisivo para libertação da Argentina, o San Martín segue sua redentora saga de construção de uma paixão, nas mesmas imediações em que dava-se mais um passo para a edificação do país.

É neste local, no Jardim da República, assim conhecida por ser a cidade onde em 09 de julho de 1816 foi declarada a independência da Argentina por General San Martín, que reside o único clube do norte argentino a conquistar um título nacional.

O clube que leva o nome do mais importante herói da independência argentina, libertou-se no dia 4 de março de 1945, quando colocou a cidade novamente no centro das questões argentinas. Desta vez, sem espadas ou armas de fogo, mas com chuteiras, garra e paixão. Larrosa, Blasco, Lacroix, Figueroa, Acosta, Comán, Aguilar, Juárez, Brandán, Díaz e Gramajo formaram o time que entrou em campo para libertar, de forma redentora, o San Martín, o qual venceu o Newell’s Old Boys, de Rosário, pelo placar de 3x1, sagrando-se, assim, campeão da Copa de la República de 1944, embora o torneio fosse concluído somente no ano seguinte.

O torneio surgiu em 1943 com o propósito de comemorar os 50 anos da AFA, e é uma das tantas copas nacionais precursoras da atual Copa Argentina. O torneio também era chamado de Copa Pedro Pablo Ramírez, que fazia alusão a um general acostumado a perpetrar golpes de estado, como o que derrubou o presidente Hipólito Yrigoyen, em 1930, dando início ao famigerado período conhecido como “década infame”. No mesmo ano em que criava-se o torneio, em 1943, também perpetraria um golpe de estado contra o presidente Ramón Castillo, de quem era ministro da guerra, fazendo o mesmo com seu sucessor, Arturo Rawson, em 1944. Na prática, o aludido golpista era quem governava o país.

Os anos 1940 foi uma época dourada para o futebol argentino, repleta de craques e de grandes esquadrões como La Máquina do River, como ficou conhecido o time com o lendário setor ofensivo formado por Muñoz, Moreno, Pedernera, Labruna e Lostau. O River Plate dominou o campeonato nacional no período, mas a Albiceleste não pode desfilar seu maravilhoso futebol nas copas do mundo em decorrência da Segunda Guerra Mundial, que impediu a realização dos Mundiais de 1942 e 1946. Entretanto, o domínio continental da Albiceleste ficou evidente no Campeonato Sulamericano, no qual conquistou um tricampeonato, em 1945, 1946 e 1947. O feito, ainda hoje inigualável, foi conduzido pelo treinador Guillermo Stábile, antigo ídolo do futebol local e artilheiro da primeira Copa do Mundo com 8 gols.

Partida contra o Boca Juniors

Foi nesta época de ouro do futebol do país que o San Martín conquistou sua maior glória, a Copa de la República de 1944. Ainda hoje é o único clube indiretamente afiliado à AFA a conquistar um título nacional. Na Argentina, os clubes da Província de Tucumán, assim como de tantas outras do interior, são afiliados às suas ligas locais, que, por sua vez, são afiliadas à AFA (Associação de Futebol Argentino). Por isto, é considerado um clube indiretamente afiliado à AFA, uma herança dos primórdios do futebol argentino, o qual concentrava-se basicamente nas províncias de Buenos Aires e posteriormente na Província de Santa Fé. Não por acaso, até a década de 1980, o campeonato metropolitano tinha status de campeonato nacional.

Na primeira edição da Copa de la República o San Martín já dava indícios de que podia aprontar, sendo eliminado nas semifinais após eliminar nada menos que o Independiente nas quartas de final.

Para o ano seguinte, então, o clube se reforçou para a competição que só começava em outubro. Alguns dos jogadores do elenco da campanha de 1943 se destacaram e foram atuar em times que disputavam o campeonato argentino, caso do volante Manuel Acosta, que retornava após meses de experiência no Racing, de Víctor Brandán, que retornava do Banfield, e do ponta Evilio Gramajo, que retornava do Chacarita, mas retornaram.

O zagueiro Martín Blasco despertou interesse dos clubes da capital, mas sempre recusou as ofertas. Os anos de devoção ao clube o tornaram o maior ídolo do futebol tucumano. O camisa 10, Jose Lirio Díaz também é um dos grandes ídolos da história do clube, pois defendeu as cores alvirrubras desde o fim da década de 1930 até o começo da década de 1950.

Charge do jornal La Gaceta reproduzindo a conquista

O técnico que alçou o clube à glória eterna, Ricardo Santillán, atuou pelo clube na década de 1920. Ricardo Santillán passou quase toda década de 1940 treinando o clube. Como jogador chegou a disputar o Campeonato Argentino por Tigre e Atlanta.

A saga iniciou-se no dia 12 de novembro de 1944, longe de seus domínios, contra o Ñuñorco, da cidade de Monteros, o qual foi inapelavelmente batido pelo placar de 5x0. Ángel Aguilar, com três gols, foi o destaque da partida. Ricardo Juárez e Víctor Brandán fecharam a conta.

Na fase seguinte, no dia 26 de novembro, o San Martín recebeu o Atlético de Concepción, o qual também não foi páreo para El Santo, sendo suplantado pelo placar de 4x0. Víctor Brandán, com dois gols, e Ángel Aguilar e Rubén Baum deram a vitória ao San Martín.

Nas quartas de final, o adversário seria nada menos que o poderoso Boca Juniors, que ingressava nesta fase. Então, no dia 17 de dezembro de 1944, o San Martín receberia o poderoso time auriazul da capital, que veio com força máxima e trouxe todos os seus titulares. O favoritismo, claro, era todo da equipe da capital, mesmo jogando em território inimigo. E este favoritismo logo se confirmou, abrindo 2x0 no primeiro tempo, com gols de Alberto Lijé e Pío Corcuera. O San Martín foi para o intervalo com a ingrata missão de reverter a vantagem de um gigante da capital. Em três minutos, aos 17 e aos 20 do segundo tempo, o Santo conseguiu uma reação histórica e empatou o duelo, com gols de Ángel Aguilar e Víctor Baum. A partida continuou empatada até o fim do jogo, persistindo a igualdade na prorrogação. O desempate, à época, não era decidido através da cobrança de pênaltis. Deste modo, o regulamento previa que o time com maior número de escanteios, classificar-se-ia. A ideia, em tese, objetivava beneficiar o time mais ofensivo. Então, o Santo, com 11 escanteios contra 9 do Boca Juniors, chegava novamente às semifinais da Copa de la República, eliminando o poderoso time xeneize. A uma semana do Natal de 1944, os cirujas, alcunha do clube, que faz alusão à sua torcida de origem popular, ganharam um presente que ecoará pela eternidade alvirrubra e santa.

As semifinais aconteceram no verão de 1945. Em 25 de fevereiro de 1945, o San Martín chegou na cidade de Resistencia para enfrentar a equipe local, o Sarmiento. A competição só retornou no fim de fevereiro, pois em 1929 os jogadores argentinos protestaram contra os jogos disputados no verão, sobretudo em janeiro, sob forte calor. Novamente os escanteios voltaram a classificar o San Martín. Após empate em 1x1 no tempo normal e na prorrogação, os escanteios classificaram o time tucumano à final: 12 escanteios contra 7.


No dia 04 de março de 1945, num domingo, o San Martín, recebeu o Newell’s Old Boys em Tucumán para a grande final. Curiosamente, o duelo foi disputado no estádio Monumental José Fierro, pertencente ao arquirrival Atlético. O time rosarino havia despachado o Talleres nas semifinais, como visitante, pelo placar de 3x1. Entretanto, o San Martín não teve as mesmas dificuldades das fases anteriores, precisando de apenas 5 minutos para abrir o placar com Juárez. Díaz ampliou a vantagem aos 36 minutos. O jogo foi para o intervalo com vitória parcial do San Martín por 2x0. No entanto, logo aos 3 minutos da segunda etapa, o título foi praticamente sacramentado por Brandán, que anotou o gol do título sobre o goleiro Julio Misemessi – que seria anos mais tarde ídolo do Boca Juniors e faria parte do elenco da seleção Argentina na Copa do Mundo de 1958, na Suécia. Aos 9 minutos da segunda etapa o Newell’s descontou com Raúl Micci, mas não teve forças para impedir a glória do time que leva o nome do prócer argentino General San Martín. Ali, na cidade que havia sido declarada a independência do país, o San Martín de Tucumán desembainhava sua espada e bradava seu grito de liberdade. A epopeia estava escrita e o nome do clube gravado nos anais do futebol argentino.

Atualmente, o San Martín disputa a segunda divisão argentina e tenta voltar à elite após rebaixamento na temporada 2018/2019, onde seu rival, o Atlético Tucumán, consolidou-se há algumas temporadas. Na Ciudadela, a bandeira alvirrubra espera por dias de glória. Pelos rincões do Jardim da República, corações santos pulsam à espera deste dia. A utopia dos cirujas vive no time de Larrosa, Blasco, Lacroix, Figueroa, Acosta, Comán, Aguilar, Juárez, Brandán, Díaz e Gramajo, seus eternos libertadores que os fizeram sonhar.
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