El Negro Jefe - A primeira e maior divindade uruguaia do futebol
Há quem diga que o futebol é uma religião. O esporte bretão, mais popular do planeta, arrasta multidões, movimenta cifra milionárias e proporciona, em todos os lugares do mundo, feitos emocionantes e inigualáveis. Une inimigos, forma laços de amizade eterna, causa amores e desamores. Se religião ou não, o futebol é sagrado. Se religião ou não, tem suas divindades, seu Olimpo. No Uruguai, sem sombra de dúvidas o futebol é análogo a uma religião, de um país tão pequeno de camisa tão pesada e gigante. Dali surge umas das divindades primordiais do futebol sul-americano, o eterno Obdulio Varela.
Nas terras dos pampas uruguaios, onde ferve o duelo de Nacional e Peñarol, onde se há um amor surreal pela seleção nacional, surgiu um tal de Obdulio Jacinto Muiños Varela. Há exatos 102 anos, neste 20 de setembro. Sem saber, naquela infância sofrida e asmática que se tornaria um gigante tarinbado da camisa sagrada celeste. De uma simples cor que impôs a maior dor daquele que viria a se tornar o país do futebol. De uma cor que causa até hoje um respeito gigantesco no mundo do futebol.
Passando a primeira parte de sua carreira em Juventud e Montevideo Wanderers, seria a partir de 1943, pelo Peñarol, que Varela começaria a fazer história. Meio campista de bons passes e chutes decisivos, era exaltado pela liderança, como quando liderou greve de jogadores no uruguai e pelo caráter, inabalável. O homem que declarou que sua pátria eram os homens pobres foi o mentor responsável pela mentalidade vencedora que levou o Uruguai ao bi mundial, que levou o Maracanã ao silêncio. O homem que foi o Jefe, o Negro Jefe do time que calou 200 mil pessoas e levou as lágrimas um país inteiro.
Jacinto, como era chamado pelos amigos e familiares, quase não jogou a Copa do Mundo de 1950, desiludido com o futebol como um todo. Mas, por que quis o destino, jogou. Jogou e capitaneou a Seleção Uruguaia. Meio campo central de poucos gols, fez um gol essencial em partida contra a Espanha, no Pacaembu, que foi diretamente responsável por fazer com que o Uruguai chegasse com chances ao jogo contra o Brasil, que não era uma final, mas uma última rodada de uma fase decisiva. Para todos os efeitos, uma final, apesar de tudo.
O monstro, uma hidra de 200 mil cabeças e um barulho ensurdecedor não intimidou o discurso do capitão uruguaio, que motivou os seus à baterem aquele time forte, favorito e o carnaval preparado por atencedência. Curioso pensar como era grande Obdulio, o homem que anos depois se disse sentir arrependido pela tristeza causada aos brasileiros, por ter frustrado tamanho carnaval e tamanha festa. O homem que foi junto a um massagista beber pelo Rio de Janeiro e que sentiu como se fosse sua as dores dos brasileiros. Segundo ele, a glória ficou toda para os dirigentes da Associação Uruguaia de Futebol e não com os jogadores, numa época em que o futebol não atraia cifras bilionárias. Hoje, Varela provavelmente seria destaque do meio de algum gigante europeu, quiçá capitão. Na época, foi mais um dos jogadores prejudicados materialmente por dirigentes corruptos.
Mas, se o material que seria justo a um jogador tão rico de carater e de liderança não o atingiu até sua morte, em 1996, seu caráter nunca se abalou por isso. O caráter que o levou à jogar um jogo de veteranos para ajudar hospitais em Brasil e Uruguai, nos anos 1960. O caráter que o fez se arrepender por toda a vida pela dor causada aos brasileiros e por tudo o que sofreram os jogadores do Brasil após 1950. O caráter que o colocou na imortalidade, no olimpo, como a maior divindade de um país campeão do mundo, de uma entidade primordial do ludopédio. Ninguém sequer sabe quem foram os dirigentes que roubaram a glória material dos jogadores uruguaios em 1950. Mas, a lenda de Varela segue viva e intacta, como Schiaffino, como Ghiggia, como a Celeste Olímpica.
A lenda da liderança de Varela segue inspirando meninos até hoje. Segue mantendo viva a chama do futebol uruguaio, segue fazendo com que a camisa celeste imponha respeito e medo em qualquer adversário. O futebol é o único meio capaz de fazer um país pequeno, de três milhões de habitantes, com menos pessoas do que muitas cidades, ser uma entidade de um esporte, ser eternamente simbolizado na cor azul clara. Eternamente simbolizado nas palavras de um capitão, na estátua de um ídolo eternizado, de um gigante que este esporte nos deu. O futebol é uma religião politeísta e Varela é, com toda a certeza, um de seus deuses. O maior representante da camisa azul celeste mais conhecida do planeta.
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