Brasil em Salvador na Copa América de 1989 - É o fim da Picada!

Por Lucas Paes

Na verdade, era uma campanha de combate à dengue, mas representou bem o futebol da Seleção
(foto: Sérgio Sade/Revista Placar)

Em 2019, depois de 30 anos, a Copa América volta a ser jogada em solo brasileiro. Com jogos em estádios modernos e usados na Copa do Mundo, como Arena Corinthians, Fonte Nova e Maracanã, a também moderna Arena do Grêmio e o tradicionalíssimo Morumbi, a competição já tem boa parte dos ingressos dos jogos do Brasil esgotados. Uma popularidade que apesar de tudo não diminui. Em 1989, na última vez que a competição foi jogada aqui, a primeira fase virou um pesadelo para a Seleção Brasileira por causa de um ídolo do Bahia, Charles, e sua não convocação para a competição, desempenho ruim da equipe dentro de campo e até uma foto icônica por causa de uma frase de duplo sentido.

Naquele ano, o Brasil figurava ao lado de Peru, Paraguai, Colômbia, e Venezuela, no Grupo A da copa. A chave jogada em praticamente sua totalidade na cidade de Salvador, mais precisamente na lendária Fonte Nova. E uma decisão tomada por Sebastião Lazaroni, treinador da época, antes da disputa, fez o Brasil viver um inferno nas terras baianas que quase comprometeu a campanha da seleção brasileira na competição.

Antes da Copa América, Lazaroni convocou mais do que os 22 jogadores permitidos e decidiu fazer cortes após o periodo de preparação. Entre os atacantes estava Charles, destaque do campeão brasileiro, o Bahia, que fora herói no título de 1988 com gols decisivos e passou a figurar no time titular. O destaque do Tricolor, porém, acabou preterido por Lazaroni, o que causaria um inferno para a Seleção em Salvador.

Charles na época de jogador pelo Bahia

Antes da competição, o Brasil fez uma série de amistosos e uma mini-excursão pela Europa. Charles foi bem nos amistosos e não tão bem na excursão. A definição sobre sua entrada no time para a estreia da competição, em Salvador, foi protelada até os momentos finais e causou confusões feitas entre o presidente do Bahia, Paulo Maracajá e a delegação brasileira, já que Paulo tirou Charles da concentração arrastando-o pelos braços. A crise acabou não contida antes do jogo.

A abertura foi um fiasco para uma Fonte Nova às moscas. Um estádio que suportava até 90 mil torcedores tinha apenas 13 em suas arquibancadas. O Brasil estreou com vitória tranquila diante da Venezuela em Salvador, mas nem isso foi suficiente para acalmar a torcida, enfurecida pela ausência de Charles. O Brasil foi vaiado do inicio ao fim do jogo, sofreu com protestos do torcedor, que trazia faixas de protestos contra os dirigentes da CBF. Houve até gente queimando a bandeira nacional. Além disso, os jogadores não relacionados e até a comissão técnica tomaram laranjadas nas arquibancadas, fora rojões nos reservas. Bebeto, baiano, num dia em que tudo praticamente deu errado, machucou o tornozelo no pesado gramado da Fonte Nova. O Brasil venceu por 3 a 1, mas este um venezuelano aparecia pela primeira vez na história. Maldonado, que depois jogaria no Fluminense, marcou o primeiro gol da história da Vinho Tinto no time Canarinho.

A reação negativa obviamente causou polêmica e reações negativas por parte da seleção. Renato Gaúcho chegou a chamar a Bahia de "terra de índios" e diversos outros jogadores criticaram as cenas que o povo baiano causou. O fato é que o Brasil nunca havia sido tão mal recebido dentro de seu país. A imprensa, inclusive fora do Brasil, destacava a pergunta de como o campeão brasileiro, que tinha um baita time, não emplacava ninguém na seleção nacional. E tinha um outro problema: o gramado da Fonte Nova estava terrível, quase impraticável.

Faixas de protesto no jogo em Salvador

No segundo jogo, um empate sem gols diante do Peru, Renato Gaúcho acabou levando ovadas ao entrar em campo. O time teve um desempenho sofrível e um momento histórico acabou capturado pelas lentes da imprensa, quando o placar, em campanha de combate à dengue, exibia os dizeres "É o fim da picada" junto à o placar sem gols entre brasileiros e peruanos. Era, realmente, o fim da picada, porque o Brasil empatou também sem gols o jogo seguinte e se complicou na competição. As vaias agora seriam justas pelo péssimo desempenho da Canarinho. Já se viam inclusive faixas pedindo por Telê Santana de novo.

Depois, o time verde e amarelo ainda empataria em 0 a 0 com a Colômbia, em mais um dia de fúria da torcida baiana em Salvador. O Brasil só voltou a vencer naquela competição quando foi jogar em Recife, no Mundão do Arruda, diante do Paraguai, em partidaço de Bebeto. A partir dali, a seleção engrenou no quadrangular final, realizado no Maracanã, venceu Argentina, novamente o Paraguai e rumou ao título contra o Uruguai. Curiosamente, Charles poderia até voltar a equipe na fase final, já que o regulamento da Copa América permitia trocas. Ficou, porém, a marca da péssima recepção que o Brasil teve em terras baianas, o que fez com que a seleção só fosse desfilar seu futebol pela Bahia só em 1995. 

Hoje os tempos são outros e as convocações pela Copa América causam mais problemas que orgulho, principalmente para times que tem estrangeiros no elenco (o Santos, este ano, sofre com isso.). Se o Brasil levar vaia hoje será pela impaciência do torcedor paulista, exigente semre com a seleção e não pela ausência do destaque do campeão brasileiro, que aliás, esse ano, também não foi convocado, já que Dudu está fora dos 23. Porém, sua não convocação jamais será capaz de causar algo sequer semelhante a rejeição que a não convocação de Charles causou, já que os tempos hoje são outros. Fica registrada a história, mais uma de tantas no futebol brasileiro.  
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