Oito pedaladas e o fim de um jejum

Robinho partindo para cima de Rogério

O dia 15 de dezembro 2002 é uma data muito importante do Santos FC, pois marca o renascimento de um clube cheio de glórias, mas que passou por um bom tempo de pesadelos. Nesta data, o Peixe conquistava o título do Brasileirão daquele ano, depois de 18 anos sem conquistar um título importante e ainda com um time repleto de jovens jogadores.

O Santos iniciou o ano de 2002 com um time que dava desconfiança na torcida, pois o elenco contava com alguns jogadores 'meia-boca' e medalhões que já estavam em decadência na carreira, como o centroavante Oséias e os zagueiros Cléber e Odvan. A equipe, que era dirigida por Celso Roth, ficou no meio da tabela da Liga Rio-São Paulo. O único fato interessante é que alguns garotos que eram tidos como jóias na base, o caso do meia Diego, foram sendo lançados aos poucos na equipe.

Ao fim do Rio-São Paulo e com a parada para a Copa do Mundo de 2002, a diretoria do clube resolveu fazer uma reformulação no futebol profissional. O técnico Celso Roth e boa parte dos medalhões foram dispensados. O presidente do Santos, Marcelo Teixeira, contratou Emerson Leão como treinador e a ele deu a incumbência de trabalhar com a molecada.

A foto posada do jogo final

Leão, ao analisar o elenco que tinha em mãos, a princípio, disse que precisaria de reforços. Sem dinheiro em caixa, a diretoria do clube chegou a trazer os atacantes Alberto e Fabiano Souza, o lateral Maurinho e o zagueiro Bernardi. Porém, o recado era claro: a base do time vai ser a 'molecada'.

Quando começou os treinamentos e, depois, os amistosos, Leão visualizou que os garotos tinham muito talento e que daquela 'pedra bruta' poderia sair várias 'jóias'. Segundo informações da época, Marcelo Teixeira chegou a apresentar uma lista de possíveis contratações, que tinha jogadores como Adriano Chuva e Rincón. Porém, o treinador, depois de ver o potencial do time que tinha em mãos, falou: "não quero contratações. Eu vou com a molecada".

Com o início do Brasileirão, logo o Santos mostrou que tinha o futebol mais envolvente do campeonato. As laterais funcionavam com Maurinho e Léo, um dos 'experientes' do elenco, com menos de 30 anos. A dupla de zaga era firme, com André Luiz, que voltou ao Santos depois de sair pela porta dos fundos em 2001, e Alex, um dos grandes achados do treinador. Na cabeça de área, o Peixe tinha Paulo Almeida, capitão com 22 anos, e Renato, que estava dois anos no clube, mas que seu futebol apareceu para valer no Brasileirão, as meias contavam com os habilidosos Diego e Elano e, o ataque, contava com o pivô do centroavante Alberto e as peripécias de Robinho. No banco, algumas peças importantes, como o meia Robert, o zagueiro Preto e o centroavante William.

O Santos ganhando do São Paulo, o melhor time da primeira fase

Mas como acontece com todo time de garotos, o Santos de 2002 sofria com altos e baixos. O Peixe, mesmo com um futebol vistoso, muitas vezes deixava escapar pontos preciosos, que quase fizeram falta no fim da primeira fase. A equipe se classificou apenas em oitavo, na última vaga, para o mata-mata e enfrentaria o São Paulo nas quartas de final. Além disso, o time perdia seu goleiro titular, Julio Sérgio. Entre o reserva Rafael e o experiente Fábio Costa, que voltava aos treinos naquele momento, depois de oito meses parado por conta de uma cirurgia, Leão foi arqueiro que tinha bagagem. E o final mostraria que a decisão foi acertada.

O São Paulo vinha com tudo, pois tinha sido a melhor equipe da primeira fase. Porém, o Santos 'atropelou' o Tricolor nos dois jogos, com 3 a 1 na Vila Belmiro e 2 a 1 no Morumbi. Na semifinal, o adversário era o Grêmio. Em casa, o Peixe fez o seu melhor jogo na competição e o 3 a 0 depois dos 90 minutos deu a sensação de que tinha sido pouco. Os Meninos da Vila tinham massacrado a equipe gaúcha. No Olímpico, em Porto Alegre, o Grêmio venceu apenas por 1 a 0, não conseguindo descontar a vantagem do Santos, que garantiu a vaga na final.

A decisão era contra o Corinthians, com dois jogos no Morumbi. Era o mesmo adversário e estádio de quando o Santos conquistou o seu último título importante, o Paulistão de 1984. O Timão tinha arrebatado os dois títulos mais valiosos do primeiro semestre, a Liga Rio-São Paulo e a Copa do Brasil, e vinha com uma equipe cascuda, contra o time de meninos do Santos.

Contra o Grêmio, o melhor jogo da equipe na competição

O primeiro jogo, no dia 8 de dezembro, o Santos foi superior ao longo dos 90 minutos. Logo no início, Alberto abriu o placar para o Peixe e, no final, Renato ampliou. O placar de 2 a 0 dava uma folga para o alvinegro praiano, que poderia perder até de um gol de diferença que, mesmo assim, conquistaria o tão sonhado título.

O jogo decisivo estava marcado para 15 de dezembro. O Santos entrava em campo com o desfalque de Alberto. William entrava em seu lugar. Porém, no primeiro lance da partida, Gil cruza da esquerda e Guilherme cabeceia a queima roupa. Porém, Fábio Costa opera o seu primeiro milagre do jogo. Ao mesmo tempo, Diego estava estatelado ao chão, sentindo uma contratura na coxa direita. Leão teve que queimar a sua primeira substituição, colocando o experiente Robert.

Aos poucos, o Santos foi equilibrando o jogo, até que aos 37 minutos, aconteceu um lance que entrou para a história do futebol brasileiro. O menino Robinho, de 18 anos, em mais uma de suas peripécias, partiu para cima do lateral Rogério e passou a perna por cima da bola por oito vezes, em um movimento conhecido como pedalada. Ao entrar na área, o marcador corintiano derrubou o jovem santista: pênalti para o Peixe. Robinho, como se fosse um veterano, botou a bola na marca da cal, bateu de um lado e colocou o goleiro Doni do outro: 1 a 0 para o Santos e assim terminou o primeiro tempo.

Diego, de 17, e Robinho, de 18 anos, eram os grandes jogadores da equipe

O início do segundo tempo foi equilibrado. O Santos chegou a ter uma chance com Robinho aos 5 minutos. Aos poucos o Corinthians foi botando pressão e aos 12 minutos quase chega ao gol de empate: Rogério cobra a falta, a bola desvia em Paulo Almeida e Fábio Costa opera o seu segundo milagre na partida. No escanteio, Anderson dá um leve toque na bola e o goleiro santista faz outra defesa difícil. Mais um córner cobrado, Fábio Luciano dá uma cabeçada a queima roupa e Fábio Costa, novamente, faz novamente um milagre.

Naquele momento, o torcedor santista deve ter pensado: "Se essas não entraram, não passa mais nada". Porém, ainda faltava muito tempo e o Corinthians foi ainda mais para a pressão. Tanto que aos 30, Gil faz bela jogada pela esquerda e cruza na cabeça de Deivid, que não perdoou: no placar do Morumbi, 1 a 1.

O Timão, empurrado por sua apaixonada torcida, foi para cima, tentando a virada. A equipe precisava de dois gols para conquistar o título. O Santos se segurava como podia. Aos 39, para deixar a partida mais nervosa, Anderson faz o segundo gol corintiano. A Fiel comemorava e a torcida do Santos ficava apreensiva, pois na semifinal do Paulista de 2001, o Peixe estava eliminando o Corinthians até os 47 do segundo tempo, quando tomou um gol de Ricardinho. Será que a cena se repetiria? Ledo engano!

Levantando a taça e fazendo a festa

Aos 43 minutos, Robinho cai pela direita, deixa Fabrício no chão, vai até a entrada da área e encontra Elano sozinho, que empatou novamente a partida. Festa na torcida do Santos, que ficava muito próximo de voltar a conquistar um título.

Porém, ainda faltava algo pra o final feliz de quem estava com o grito preso na garganta por 18 anos. Robinho, novamente ele, foi lançado na esquerda, chama Kléber e Vampeta para 'dançarem', dá um belo giro, mas é desarmado. Porém, a bola sobra para o canhoto Léo, que de direita acerta um belo chute, sem chances para o goleiro Doni. Foi um dos gritos de gol mais fortes que já ouvi em toda minha vida em um estádio: Santos 3, Corinthians 2 e a molecada conquistava o Campeonato Brasileiro de 2002.

Após este título, o Santos voltou ao seu caminho de glórias. Vice-campeão brasileiro em 2003, a equipe voltou a conquistar o título em 2004. Além disso, o Peixe ganhou os Paulistões de 2006, 2007, 2010, 2011, 2012 e 2015, a Copa do Brasil de 2010 e a Copa Libertadores de 2011. Com todas estas conquistas, o torcedor santista voltou a sorrir, mas eles não esquecem o grande título de 2002.
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