O último ato do Gasolina como amador


Pelé, em destaque na foto, no campo da Fabril

Muitos amigos meus sabem que moro em Cubatão, na Baixada Santista, cidade que está completando hoje 66 anos de emancipação político-administrativa. Lendo o início deste texto, você deve estar perguntando: “que diabos uma cidade que atualmente nem tem time profissional está sendo citada em um blog de futebol”?

Cubatão teve dois times profissionais ao longo da sua história: a Associação Atlética dos Guimarães, em 1966, e a Associação Atlética Cubatense, 39 anos depois. Cada um desses clubes disputaram por um ano apenas o equivalente a atual Segunda Divisão Paulista (que na verdade é a quarta).

Mas a história do futebol no município de 127 mil habitantes não para por aí. Foi na cidade onde Pita, Cláudio Adão, Milton Cruz, Axel e Adiel, por exemplo, deram seus primeiros chutes. Além disso, é o local onde abrigou dois dos melhores times amadores de futebol de toda a região entre as décadas de 40 (ainda como distrito de Santos) e 70: o Esporte Clube Cubatão, que tem sede até hoje no Centro da cidade, e o Comercial Santista Futebol Clube, equipe formada por moradores da Fabril (bairro sede da Companhia Santista de Papel, uma das primeiras indústrias do Pólo da cidade, quando ainda pertencia a Santos) que chegou a ser vice-campeão amador paulista em 1965, em campeonato finalizado apenas no ano seguinte, e um dos personagens desta história que começo a contar agora.

Na manhã do dia 8 de setembro de 1956, um sábado, o Comercial Santista fez um amistoso que parou toda a cidade em seu campo, na Vila Fabril (que existe até hoje). O embate naquele dia era contra a equipe amadora do Santos Futebol Clube, clube que conquistaria o bicampeonato paulista de profissionais no fim do ano, o terceiro de sua história até então. Mas, entre os jogadores da equipe amadora que foi até Cubatão havia um certo garoto de 15 anos apelidado de Gasolina, mas que menos de dois anos depois ficaria famoso com outro apelido. Sim, é ele! Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.

Na sexta-feira, no último treino da equipe cubatense antes do jogo contra o peixe, o ex-vereador e um dos mais antigos moradores da Fabril, Romeu Magalhães, hoje com 76 anos, ouviu Oda, um dos atletas mais experientes do time cubatense e que havia jogado profissionalmente no Paraná, avisar: "Olha, domingo vamos jogar contra o Santos. Precisamos tomar cuidado com um negrinho que tem lá, um tal de Gasolina. Esse moleque é o cão", explicou Romeu para o jornalista e grande amigo Thiago Macedo, em matéria publicada no jornal A Tribuna em 12 de julho de 2009.

Além de Oda, o técnico Argemiro, que era chefe do setor de acabamento da Companhia Santista de Papel, tinha em seu plantel Tião, que havia jogado no Flamengo do Rio de Janeiro, e Ditinho, que ao lado de Cobrinha, tornou-se um dos melhores jogadores da várzea da Baixada Santista na década seguinte.

E a hora do jogo chegou e o Comercial Santista tinha dois desfalques: Romeu Magalhães e Ditinho, que estava machucado. Porém, guardam para sempre na memória o que aquele jogador, que depois ficou mundialmente famoso, fez naquela manhã. O franzino Gasolina, que havia estreado pelos profissionais no dia anterior, entrando no final do amistoso contra o Corinthians de Santo André, no ABC, e marcado seu primeiro tento, fez quatro gols no show da vitória do Peixe por 7 a 1 sobre os cubatenses.

Romeu Magalhães

Gasolina, além de ter destruído com o jogo, ainda bagunçou com os adversários. Até o Tião, um dos craques do time da casa, levou chapéu. “Inconformado, depois da partida, Tião perguntou a Gasolina como ele havia dado aquele drible. Foi tão rápido que Tião nem viu a bola. Humilde, Gasolina disse que havia sido um lance de sorte”, disse Romeu.

Depois desta partida, o Gasolina nunca mais jogou pelos amadores do Santos. Passou de vez para o elenco profissional e virou o famoso Pelé, considerado o atleta do século pela revista francesa L’Équipe e conquistou três Copas do Mundo, duas Libertadores, duas Copas Intercontinentais de Clubes, cinco Taças Brasil, um Robertão, quatro Torneios Rio-São Paulo e 10 Campeonatos Paulistas.

* Deixar aqui um abraço especial para o jornalista Thiago Macedo, que passou informações importantes, e o contador de causos Arlindo Ferreira, que também ajudou neste artigo.


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