"Briosa": a incrível história do time que desafiou o apartheid

Fala galera!

Para começar o blog, publico artigo feito na época do aniversário da Portuguesa Santista, em novembro do ano passado, sobre a conquista da Fita Azul do Futebol Brasileiro e sua história cruzada com o Apartheid.

Curtam!

Victor de Andrade

A Associação Atlética Portuguesa, clube de Santos, tradicionalíssimo no futebol paulista e conhecido como ‘Briosa’, comemora seu aniversário dia 20 de novembro. Porém, esta coincidência de comemorar aniversário na mesma data do Dia da Consciência Negra não é a única que liga a agremiação às lutas contra o preconceito racial.

Fundada em 1917, a Briosa já era conhecida dos fãs do futebol brasileiro. O espírito inovador foi demonstrado na construção do seu estádio, o Ulrico Mursa, nos anos 20, e já marcava a sua história: foi o primeiro a ter arquibancada de concreto e coberta na América Latina.

Entre 1936 e 1938, a equipe conseguiu ficar na terceira colocação do Campeonato Paulista, um dos mais competitivos do país. Foi nesta época em que o clube revelou Tim, ao lado de Leônidas da Silva e Domingos da Guia, um dos grandes craques daquele momento, e Argemiro, que foi o primeiro jogador de um clube de Santos a ser convocado para uma Copa do Mundo, em 1938, na França, jogando pela Portuguesa Santista. Já em 1941, ao lado de São Paulo, Corinthians, Palmeiras, Portuguesa, Juventus, Nacional, Ypiranga, Comercial, Santos e Jabaquara, fundou a Federação Paulista de Futebol (antes disso, havia ligas independentes que organizavam o Paulistão. Em muitos anos, houve mais de um campeonato).



No ano de 1959, a Portuguesa Santista partiu para uma excursão com diversos jogos no continente africano. A bordo da embarcação holandesa "Boissevan", a viagem durou 13 dias. Os jogos históricos foram realizados entre 16 de abril e 28 de maio daquele ano.

As notícias que vinham da África para a cidade de Santos eram animadoras. Vitórias e mais vitórias marcavam a excursão da Briosa. No entanto, a partida que entraria para a história da excursão é justamente aquela que não ocorreu. A África do Sul estava no itinerário da viagem da equipe brasileira e a delegação da Portuguesa Santista teve que enfrentar um adversário extracampo, qual seja, o regime de segregação racial que vigorava no país, o Apartheid. Desde o complicado desembarque dos três atletas negros da Briosa, Nenê, Bota e Guilherme, na Cidade do Cabo, onde não queriam deixá-los  entrar no local com o resto do elenco, até a preparação para o jogo, a passagem do time brasileiro acabou por constituir um incidente diplomático entre Brasil e África do Sul.

No dia do jogo, quando a equipe santista já estava uniformizada nos vestiários, pronta para entrar em campo contra um combinado da Cidade do Cabo, um dirigente do futebol local apareceu, informando que os jogadores negros não poderiam participar da partida porque assim determinavam as leis do país. O então Encarregado de Negócios da Legação Brasileira na Cidade do Cabo, segundo-secretário Joaquim de Almeida Serra estava no estádio e, prontamente, manifestou-se contra a recomendação, apoiado por todo o elenco. “Ou jogam todos ou ninguém joga!”, dizia ele. No Brasil, o presidente da República, Juscelino Kubitschek, já havia determinado que a partida não deveria ser realizada. E ninguém jogou.



Pela recusa em disputar a partida, o episódio obteve repercussão internacional e ajudou em alguma medida a combater o Apartheid no esporte. Joaquim de Almeida Serra, neto do destacado abolicionista homônimo Joaquim Serra, recebeu um telegrama do Itamaraty, informando que Presidente Juscelino Kubitschek elogiava sua atitude. O evento também acabou se transformando em um marco histórico por ter sido a primeira vez em que o Brasil se posicionava publicamente contra aquele regime, o primeiro país fora da África a se posicionar contra o regime segregador sul-africano.

O incidente diplomático não encerrou a excursão. Foram realizados jogos em outros países africanos e os resultados continuaram expressivos. No total, foram 15 vitórias em 15 jogos, marcando extraordinários 75 gols, com o atacante Grillo sendo o artilheiro da equipe. Estas partidas deram à Portuguesa Santista o título de honra ‘Fita Azul do Futebol Brasileiro’, entregue pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD – antecessora da atual CBF) para as equipes que ficavam invictas em jogos no exterior. Esta honraria, inclusive, é exaltada no hino do clube.

Após a excursão, a delegação da Portuguesa voltou a Santos e foi recebida apoteoticamente na cidade, desfilando, inclusive, no carro do Corpo de Bombeiros. E a bela história deste clube quase centenário continuou. No Campeonato Paulista da Segunda Divisão de 1964, cuja final foi disputada já em 1965, a Portuguesa Santista sagrou-se campeã ao derrotar a Ponte Preta, em pleno Estádio Moisés Lucarelli, em Campinas, por 1 a 0, gol de Samarone.



Após ter sido rebaixada em 1977, a Briosa conseguiu um novo acesso para a Primeira Divisão do Estado em 1996, onde conquistou o vice-campeonato com uma equipe experiente, que contava com diversos atletas veteranos oriundos da Baixada Santista, como Fernando Mattos, Balu, Paulo Robson, Célio e Márcio Fernandes.

Já entre 2000 e 2004, a Briosa também montou belos elencos, tendo como destaques o time de 2001, com a excelente dupla de ataque composta por Zinho e Tico Mineiro; a equipe de 2003, semifinalista do Campeonato Paulista, eliminando Santos e Guarani, perdendo a vaga na final para o São Paulo, revelando o volante Adriano, o meia Souza e o atacante Rico; e o time de 2004, que contou com o tetracampeão Marcio Santos, que também chegou às finais do Paulistão e disputou a Copa do Brasil.

A partir de 2006, sucessivos rebaixamentos sucumbiram a Portuguesa Santista à última divisão do Estado, sendo que na última temporada, faltou muito pouco para o acesso à Série A3. Porém, o episódio ocorrido na África do Sul, em 1959, é muito mais importante do que qualquer resultado conquistado em campo. Parabenizo a Portuguesa Santista por fazer parte não só da história do futebol brasileiro, como também por ter sido personagem importante deste fato marcante, marcado pela luta contra o preconceito racial.
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5 comentários:

  1. Parabéns pelo texto! Prato cheio para quem gosta de futebol!

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  2. Muito bom o texto e a história! O engraçado é que muitas vezes as pessoas tomam certas atitudes que para elas é ali, do momento, mas que na verdade, quando repercutidas, entram para a história.
    O que quero dizer é que tenho certeza que os jogadores da Briosa se recusaram a jogar sem os companheiros negros de equipe devido ao fato deles realmente SEREM uma equipe, não com o pensamento de "Vamos combater o Apartheid".
    Pode até ser que a maioria dos atletas nem soubesse que tal regime desumano era praticado, ou de que forma era, na África do Sul. Mas, quando viram que parte de seus companheiros estavam sendo afetados por este, o espírito de equipe falou mais alto.
    O que acham?
    Mais uma vez, parabéns pelo texto! Muito bom mesmo!

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  3. Umas das belas histórias que a Briosa protagonizou e fizeram com que o clube essa essa agremiação tão tradicional e histórica. tive a chance de ir a Santos e a dois jogos da Portuguesa, foi impossível não gostar tanto dela.

    Parabéns pelo blog e pelo trabalho de resgate excepcional.

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